Quando acordei no dia 30 de Setembro de 2010 julgava que esse dia seria apenas lembrado como o segundo dia de desempacotamento, já que o contentor com as nossas coisas tinha sido (finalmente) entregue no dia anterior.
Cerca das onze da manhã, estava eu entre caixotes quando o P me telefonou e perguntou: "Sabes alguma coisa do que se está a passar?". Perante a minha resposta negativa, explicou-me que a polícia tinha cortado várias ruas, não era possível circular entre Quito e Cumbaya (onde vivemos), o aeroporto estava fechado, aconselhavam-se as pessoas a não sair de casa porque estavam a ocorrer assaltos, resumindo, o caos instalado.
Primeira pergunta "E a C? Como vamos buscá-la à escola?". Responde o P "Telefona para a escola". Telefonei e nada. Impedido, impedido, impedido...
Entretanto recebemos um email da escola referindo que face aos acontecimentos, o sítio mais seguro para os nossos filhos estarem era a escola, porque tem segurança privada, e, por isso, tudo íria decorrer como num dia normal. Fiquei mais calma!
Lembro-me de pensar, nesse momento de descompressão, que a cidade estava de pernas para o ar e eu em casa descansadíssima, sem saber nada do que se estava a passar á la Lili Caneças, que respondeu que estava a tomar chá com as amigas, quando lhe perguntaran, numa entrevista, onde estava no 25 de Abril! Ainda sorri com a anlogia, mas não foi por muito tempo. Liguei a televisão e os canais locais estavam a emitir programas de entretenimento martinal, o que foi de certa forma apaziguador. Liguei o rádio e aí sim, comecei a perceber que estava tudo mais complicado do que eu pensara.
Recebo um telefonema de uma amiga, dizendo-me que a escola enviara um novo email solicitando que fossemos buscar os nossos filhos a partir do meio dia. Telefono ao P para ir buscar a C imediatamente e ele assim fez.
Mensagem de outra amiga, completamente assustada, dizendo que estava num taxi a dirigir-se para a escola para ir buscar o filho, se eu precisasse trazia a C.
Claro que nesse momento o meu telefone deixara de funcionar em condições e, para além de não receber emails atempadamente,não conseguia saber se o P já tinha chegado à escola, dado que havia ruas bloqueadas.
Entretanto começam a telefonar-me várias amigas e conhecidas, todas já tinham os seus filhos e EU não conseguia falar com o P.
Depois de inúmeras tentativas, chamadas telefónicas, mensagens, acabámos por conseguir falar e o P já tinha a C. Íam passar no escritório para ir buscar o computador e vinham para casa. Ok!
E a espera que não terminava...
Estar em casa sem poder fazer nada(o P disse logo que nem pensar em pôr-me no carro com a M sozinhas, sem sabermos se poderíamos ou não passar, pois poderia ser perigoso estar parada numa acesso bloqueado) é desesperante, mas assim que eles chegaram o meu mundo ficou novamente completo.
E a M dormindo a sesta, claro.
Ligámos a televisão e todos os canais locais não falavam de outra coisa: Presidente sequestrado no hospital da polícia; em frente ao palácio presidencial, no centro de Quito, uma multidão de gente, manifestações da população em todo o país a favor do presidente; os avisos para permanecermos em casa! Parecia surreal. Agora sim, estava completo o pacote de boas vindas! LOL
Entretanto o P numa azáfama tremenda, emails para Basileia, teleconferências, telefonemas...
O Director Geral da Novartis Equador estava no Brasil em reuniões e o P estava a substituí-lo. Timing perfeito. Um gajo fica à frente da empresa durante um golpe de estado!
Ficou decidido que trabalhariam a partir de casa e consoante o desenrolar da situação tomar-se-íam as decisões mais adequadas.
Pelas 22:30 conseguiram libertar o Presidente, imagens em directo. Troca de tiros, pedras, o que se quiser. Balanço final: 1 morto e algumas dezenas de feridos.
Enquanto nas imediações do hospital se travava uma batalha entre a polícia e o exército, o Presidente discursava heroicamente perante a população ao rubro!
Não sei se as razões dos polícias são válidas ou não, porque não conheço a lei contra a qual se manifestavam, mas tenho de concordar com todos aqueles que dizem que esta não é a forma de resolver as coisas em democracia.
Agora está tudo mais calmo, pelo menos em Cumbaya, porque ainda não fomos a Quito. Já está tudo aberto e a funcionar normalmente.
Obrigada a todos os que nos telefonaram, enviaram emails, mensagens. Obrigada por nos terem no vosso coração.
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A minha (P) versão dos mesmos factos:
Nota: Este é o problema do pessoal de Letras (agora sim vou ser linchado) que dá demasiada ênfase aos acontecimentos na tentativa de buscar as melhores palavras. Claro que não foi assim tão dramático, LOL.
Se bem que é compreensível que estando mais longe, não sabendo o que se passa os sentimentos se exponenciem.
A escola enviou um email dizendo que terminava o dia de aulas excepcionalmente às 12:00 mas que os alunos podiam lá permanecer sem problema.
Nota: Este é o problema do pessoal de Letras (agora sim vou ser linchado) que dá demasiada ênfase aos acontecimentos na tentativa de buscar as melhores palavras. Claro que não foi assim tão dramático, LOL.
Se bem que é compreensível que estando mais longe, não sabendo o que se passa os sentimentos se exponenciem.
A escola enviou um email dizendo que terminava o dia de aulas excepcionalmente às 12:00 mas que os alunos podiam lá permanecer sem problema.
Claro que para jogar pelo seguro e para evitar que mais tarde fosse mais difícil aconselhavam os pais a ir buscar os seus filhos.
Resultado, pânico instalado e trânsito caótico, de qualquer forma demorei 40 minutos a ir buscar a Catarina e regressar ao escritório (normalmente demoraria 20m) onde ainda reuni com um colega (+ a C) e fiz uns telefonemas.
Depois regressamos para casa e era como nada se estivesse a passar.
Em Quito, para além dos locais de conflito no centro da cidade não houve problemas de maior.
À noite o exército decidiu ir resgatar o presidente e houve confrontos (Exército vs. alguns Polícias) dos quais resultaram 3 mortos e vários feridos (pouca coisa para confrontos entre gente armada até aos dentes).
Tudo isto porque o Correa (presidente), que goza de uma popularidade brutal, se armou em herói, afastou a gravata, abriu o peito e disse aos polícias que protestavam: “Matem-me se tiverem coragem!” – fiquei fã! LOL ... depois teve de fugir e por ironia refugiar-se no Hospital da Polícia!
Tudo digno de uma telenovela Sul Americana!
Felizmente e o mais importante: vocês estão bem!!!
ResponderEliminarO P. dá uma visão simplista e cómica da coisa... é "gajo"!!! lol
Beijinhos aos 4 e uma festinha à 5ª(B.)
Só hoje vi o vosso email! Obrigada pela partilha.Poxa, que fiquei presa a descrição da S. e do P ... força para a vida sul americana! PS- Adoro a casa!
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